quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Cavalos carregam o peso dos maus-tratos

     Para muitos o expediente mal começou, mas a equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) já se prepara para averiguar mais uma denúncia de maus-tratos contra animais. Na kombi do Município, a bióloga Mariana Faria Correa, o fiscal Marcos Fischer e o estagiário Jander Deitos atravessam a cidade e seguem rumo à zona rural, onde mais um cavalo estaria sofrendo com a negligência dos donos.
     Ao lado de uma casa simples, a equipe percebe um cavalo pastando. De longe, à primeira vista, o animal parece bem. Depois de passar por dois cachorros, que ameaçam a todo o momento avançar sobre os profissionais, eles conseguem chegar perto do animal. Em suas costas, percebe-se duas grandes feridas, em "carne viva", que parecem tocar a coluna. Os machucados foram causados pelo uso inadequado e excessivo de carroça, instalada sem proteção no dorso do cavalo.
     Na modesta casa ao lado do amplo gramado onde o animal pasta, está sentado à porta o dono do animal. Dentro de casa, sua esposa aproxima-se da saída para ver o que acontece. Eles explicam que usam o cavalo para recolher materiais recicláveis e dizem saber que não é possível trabalhar com o bicho machucado daquela jeito. Mas a necessidade obriga. De acordo com o homem, logo planejam comprar outro animal, mas por enquanto eles não têm escolha. Sem o cavalo, não conseguem ganhar dinheiro para se sustentar.
     Felizmente dessa vez o cavalo não corria risco de vida e a Semma apenas notificou os proprietários a comparecerem na secretaria. Depois de fazer isso, a equipe passa a monitorar se os donos do animal estão tratando-o adequadamente. Caso o bicho não melhore, o Município pode até apreendê-lo e nomear um fiel depositário.
     No entanto, a apreensão é aplicada apenas em casos extremos. Isso porque o Município não dispõe de local adequado para abrigá-los. "O que se tenta é deixar o animal com o proprietário, responsabilizá-lo pelo cuidado com o animal e acompanhar isso. Mas, de qualquer maneira, sendo maus-tratos um crime previsto em lei, são tomadas as providências legais e encaminhados relatórios ao Ministério Público (MP) para apuração da parte criminal", explica a bióloga da Semma, Mariana Faria Corrêa.
     Em circunstâncias mais graves, diz a bióloga, a secretaria solicita ainda apoio da Brigada Militar para averiguar a situação e garantir que a equipe possa proceder as medidas adequadas. Além disso, a Semma pode trabalhar em parceria com outros setores da Prefeitura. Exemplo disso aconteceu no início de outubro, quando em uma averiguação a equipe encontrou um cavalo deitado dentro de uma vala. De tão fraco, o animal sequer conseguia se levantar.
     Depois de prestar os primeiros atendimentos com o auxílio do veterinário da Secretaria de Agricultura, Alexandre Costa Dotto, notificar o dono e orientá-lo sobre como cuidar do cavalo, os profissionais deixaram o local. No dia seguinte, quando retornaram para verificar a melhora do bicho, perceberam que ele estava ainda pior. O animal foi então levado para uma cocheira no Parque Municipal do Chimarrão, onde recebeu comida, água e medicamentos. Devido ao seu estado grave, o animal acabou morrendo e o caso foi encaminhado ao MP. "Aquilo foi uma medida extrema, o animal estava morrendo. Mas a Prefeitura não tem pra onde levar esses animais, nem condições de tratá-los ou o que fazer com eles depois que eles se recuperarem", diz Mariana.
 

Equipe da Semma encontrou cavalo com as costas feridas pelo mau uso da charrete.

 
     Animais precisam de cuidados simples
     O veterinário da Secretaria Municipal de Agricultura, que acompanha com a Semma as verificações de denúncias mais graves de maus-tratos, explica que um cavalo exige alguns cuidados básicos, como alimentação adequada, água e descanso. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, só pasto não é suficiente para um animal que faz muito esforço, como os utilizados para puxar carroças e charretes. Além de pasto ao longo do dia e bastante água, os bichos precisam de ração, pois gastam muita energia.
     Conforme Dotto, os cavalos necessitam bastante água, inclusive enquanto são utilizados para trabalhar. "Tem que fornecer ração, porque um animal desses está sempre fazendo esforço, e água. Ele não pode ficar uma manhã inteira sem se alimentar", exemplifica. Por dia, um cavalo deve consumir entre 2 e 3% do seu peso em alimentos. A metade desta quantia deve ser de alimentos concentrados, como rações balanceadas ou misturas de grãos de cereais, e a outra metade deve ser de volumosos, como alfafa e pasto verde. Um cavalo de 400 quilos, por exemplo, com alto nível de atividade física, deveria consumir aproximadamente seis quilos de alfafa ou 20 quilos de capim verde e entre dois e seis quilos de ração, dividas em duas ou três refeições por dia. Estas indicações, no entanto, podem variar conforme o esforço a que é submetido.
     Outro ponto importante de se observar é o período de trabalho do animal. Conforme o Código Estadual de Proteção aos Animais, o cavalo não pode ser utilizado tracionando um veículo, ou seja, puxando carroça, por mais de seis horas ininterruptas, sem que seja fornecido a ele alimento e água na quantidade e qualidade necessárias. O documento também proíbe fazer o animal viajar a pé por mais de dez quilômetros sem lhe dar o descanso adequado.
     Os proprietários também não devem colocar muito peso na carroça. Do mesmo modo, quando o cavalo se machuca ou adoece, ele deve ser primeiro curado, para só depois voltar ao trabalho. O veterinário aponta que dispor de uma cocheira não é imprescindível, mas o cavalo deve ter à disposição um local onde possa se abrigar da chuva, preferencialmente em um terreno onde ele também possa pastar.
     Dotto acredita que os problemas mais comuns verificados em cavalos são fadiga, desnutrição e machucados, causados principalmente pelo trabalho excessivo. Para ele, a solução seria a criação de uma lei municipal regulando o uso de cavalos e determinando punições para os casos de maus-tratos, assim como a construção de um local para receber e tratar animais apreendidos pela Prefeitura. "Quanto aos carroceiros, sugiro a conscientização dos mesmos quanto a cuidados com alimentação, saúde dos animais e maus-tratos, através de palestras. Não sou a favor da proibição da circulação de carroças, mas sim a favor de uma regulamentação, conscientização e fiscalização", defende.
 
     CENTRO DE ZOONOSES
     O médico veterinário Ricardo Strohschoen, que atualmente tem um convênio com a Prefeitura para receber e tratar em sua clínica dez cachorros de rua por mês, acredita que a solução para o problema seria a construção de um centro de zoonoses. O local, explica, receberia todos os animais recolhidos pelo Município, como cães e cavalos. Strohschoen explica que quando atuou na Vigilância Sanitária, no início da década de 90, a Administração tinha a intenção de instalar o centro junto à Escola Agrícola Wolfram Metzler. Isto possibilitaria, além de um local para receber os animais, um aprendizado para os estudantes, principalmente sobre bem-estar animal.
     O veterinário ressalta que hoje um dos maiores problemas com relação aos cavalos no município diz respeito aos mau-tratos ou à negligência de alguns papeleiros que os utilizam para trabalhar. "Eu inclusive já fiz várias eutanásias de animais que estavam em decúbito", diz o veterinário, explicando que quando o cavalo não consegue levantar, em geral ele acaba morrendo ou tendo de ser sacrificado devido ao estado de saúde.
 
 


Denúncia levou secretaria até um cavalo que sequer conseguia levantar (Divulgação/Semma)

 
     LEGISLAÇÃO
     O Município proíbe, na Lei nº 2534, de 29 de dezembro de 1998, que instituiu o Código de Meio Ambiente e de Posturas, a criação de animais de grande porte na área urbana. Mas no Capítulo VI há considerações sobre a proteção aos animais domésticos, entre os quais os utilizados para o transporte de carga, como os cavalos. A lei proíbe o transporte de carga ou passageiros com peso superior ao suportado pelo animal, bem como utilizar para trabalho bichos doentes, machucados, cansados ou aleijados. No município, também é proibido utilizar animal para trabalho por mais de oito horas contínuas sem descanso e mais de seis horas sem água e alimento apropriados, bem como deixá-lo sem comer ou beber por mais de 12 horas. Abaixo, algumas determinações do documento.
 
     Lei Municipal nº 2534.
     Capítulo VI. Da proteção dos animais domésticos
Art. 82 - É expressamente proibido maltratar animais ou praticar atos de crueldade contra os mesmos, especialmente:
I. transportar carga ou passageiros, em veículos com tração animal, de peso superior às forças deste;
II. montar animal que já tenha carga suficiente;
III. fazer trabalhar animais doentes, feridos, extenuados, aleijados, enfraquecidos ou extremamente magros;
IV. abandonar, em qualquer ponto, animais doentes, extenuados, enfraquecidos, feridos ou mortos;
V. martirizar animais para que alcancem esforços excessivos;
VI. amontoar animais em depósitos insuficientes ou sem água, ar, luz e alimentos;
VII. usar instrumentos capazes de provocar ferimentos para estímulo e correção de animais;
VIII. empregar arreios que possam constranger, ferir o animal ou sobre feridas e contusões;
IX. obrigar qualquer animal a trabalhar mais de 08 (oito) horas contínuas sem descanso e mais de 06 (seis) horas sem água e alimento apropriado;
X. praticar qualquer ato que acarrete violência e sofrimento ao animal
 
Autora: Rozana Ellwanger - Folha do Mate
Postado por Wilson Junior Weschenfelder
 
Nota do Blog: Venâncio Aires tem este "passivo ambiental" com os animais não havendo qualquer trabalho preventivo contra os maus tratos e, mesmo após o animal ser violentado, raras vezes ocorre o procedimento para resguardar a saúde deste animal. Esta falta de visão de saúde pública (no caso dos cachorros abandonados) ou de violência e proteção dos animais (silvestres ou domésticos) não é uma questão que aparece em pautas de discussões públicas, pois não gera votos e porque nossos governantes não possuem uma visão sistêmica de qualidade de vida ou de país desenvolvido, por isso e por outros tantos, somos e seremos de terceiro mundo.


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