domingo, 7 de dezembro de 2008

História de caçadas em Venâncio Aires contada por Otto Dick

     Os melhores e mais faceiros visitantes em Boa Vista sempre foram os caçadores que, a partir dali. percorriam o mato. Caça ainda era muito abundante. Havia de tudo que um caçador desejava; antas, onças, capivaras, veados, pumas e outros, além de micos e bugios que ainda se sentiam como "donos do campinho". Vários caçadores dedicados consideravam Boa Vista como zona de caça permanente; entre eles, em especial, deve ser mencionado Martin Niedermayer, que ainda hoje reside em Mato Leitão.
     Infelizmente, não é possível relatar aqui todas as aventuras de caçadas que se contavam seguindo o lema: "Quem é portador de uma licença de caça está dispensado da obrigação de falar a verdade". Aqui até se contavam tais histórias sem o referido documento quando, por exemplo, se falava de cobras gigantescas ou de cavalgadas em cima de antas ou outras "aventuras" deste gênero. Deixemos, somente, que Martin Niedermayer nos conte a última caçada de onça: "Sempre mais se espalhava a notícia de que não demoraria mais muito tempo até que se começaria a derrubar, também, o mato dos Leitão. A nós caçadores isto não agradava, mas então queríamos, ao menos, abater a última anta que ainda vivia naquele mato. Com Ferdinand Groth cavalguei em direção a Boa Vista. Chovia torrencial antes de alcançarmos o abrigo do mato, o que, no entanto, não nos fez desistir. Tínhamos penetrado na floresta até o local onde hoje se encontra a capela escolar evangélica, quando os cachorros passaram a acuar na direção do sul - lá onde, mais tarde, R. Rehsler comprou suas terras. Groth deveria verificar o que era e espreitar na trilha que seguia para o Arroio Grande. Por muito tempo estive parado sozinho na chuva. Apenas, de vez em quando, ouvia o latido dos cães. O que estaria acontecendo por lá? Nenhum tiro, nenhuma noticia. Teria acontecido um acidente? Um bom tempo demorou até que alcancei aquele local, quando, de imediato, me deparei com a surpresa: uma onça de médio tamanho lutava ali com os nossos oito cachorros no meio das taquaras do mato. Apenas 6 metros me separavam da fera, mirei e — por duas vezes as espoletas falharam — a arma não disparou. Naquele momento, Ferdinand Groth gritou: "Cuidado, compadre, e um tigre, não é anta!"; Ele estava parado em cima de um angico desenraizado que estava pendurado inclinadamente nos galhos de outras árvores, aproximadamente 8 pés acima do campo da luta. Sem demora também cheguei lá em cima. Pólvora e papel estavam espalhados pelo chão e, mais uma vez, ele tentou fazer com que sua espingarda de carregar pela boca disparasse. Um trabalho perigoso em que o auxiliei o quanto pude.
 
 
     Três vezes ainda as espoletas faiscaram, mas a pólvora molhada não explodia. Lá embaixo, a luta continuava: os oito cães davam trabalho para a onça, mas esta causava sérios ferimentos em seus inimigos. Cada vez mais freqüentes se tomaram os gritos de dor da matilha. "Temos que dar um fim nisso, se não quisermos perder todos os cachorros";, eu disse - bons cães de caça, naquele tempo, eram muito mais raros do que hoje. Descemos até o chão e Ferdinand Groth cortou uma vara de cedro novo e lentamente nos aproximamos do bolo selvagem de animais em luta e passamos a observar a situação, então surgiu um momento favorável. Um cachorro grande tinha atacado a fera pelo pescoço, porem já os dentes desta afundavam nas costas do valente adversário e demoliam ruidosamente os seus ossos. Um salto ousado e uma forte paulada acertou a cabeça da onça, que, cansada pela longa lula, cambaleou, e entã eu cravei quatro vezes a minha longa faca de mato no corpo do bicho, segurando o seu rabo com a mão esquerda. E assim expirou a última onça de Boa Vista.
 
 
     Pouco tempo depois, também foi abatida a última anta. Por algumas vezes ela já tentara abandonar a ilha de mato onde ainda se mantinha e, depois de várias tentativas frustradas de caçá-la, encontraram-se numa segunda-feira os quatro mais antigos caçadores da região: Ferdinand Groth, Karl Franke, Fritz Martins e Martin Niedermayer. Às 10 horas da manhã, começou a perseguição pelos cachorros. Por diversas vezes a anta tentou furar o cerco, mas os dez cães não o permitiram. Em forma de grandes círculos, a perseguição se prolongou por lodo o dia, até que, finalmente, à noite, na beira do Arroio Grande -- nas terras que mais tarde seriam de Peter Kirch -, Martin Niedermayer. que ali se havia colocado de tocaia, conseguiu atirar no exato momento em que a anta se jogava na água numa noite de lua clara. Foi a décima oitava e última que M. N. abateu no mato dos Leitão e, com isso, terminava aqui, também, a caça a animais silvestres de porte. Até 1928 ainda se ouviam os macacos no morro e na direção de Sampaio.
 
Referência:
DICK, Otto. História de Mato Leitão. Mato Leitão. 1999. p.25-27.
Nota do Wilson: Mato Leitão, até 20 de fevereiro de 1992, era território do município de Venâncio Aires.


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Um comentário:

Túlio disse...

Grande Wilson,

Foi com grande alegria que li o causo da última onça na ilha de mato em Boa Vista.
Sou fanático por causos antigos, os mais originais e que nos levam ao sabor do tempo.

Parabéns pela iniciativa. Se tiver mais, poste no blog. Se não postar, amigo, envie-o para mim, no endereço: tutoni@gmail.com

Grande abraço
Túlio Ottoni