sexta-feira, 29 de junho de 2007

Histórias de caçadas

     Os melhores e mais faceiros visitantes em Boa Vista sempre foram os caçadores que, a partir dali. percorriam o mato. Caça ainda era muito abundante. Havia de tudo que um caçador desejava; antas, onças, capivaras, veados, pumas e outros, além de micos e bugios que ainda se sentiam como "donos do campinho". Vários caçadores dedicados consideravam Boa Vista como zona de caça permanente; entre eles, em especial, deve ser mencionado Martin Niedermayer, que ainda hoje reside em Mato Leitão.
     Infelizmente, não é possível relatar aqui todas as aventuras de caçadas que se contavam seguindo o lema: "Quem é portador de uma licença de caça está dispensado da obrigação de falar a verdade". Aqui até se contavam tais histórias sem o referido documento quando, por exemplo, se falava de cobras gigantescas ou de cavalgadas em cima de antas ou outras "aventuras" deste gênero. Deixemos, somente, que Martin Niedermayer nos conte a última caçada de onça: "Sempre mais se espalhava a notícia de que não demoraria mais muito tempo até que se começaria a derrubar, também, o mato dos Leitão. A nós caçadores isto não agradava, mas então queríamos, ao menos, abater a última anta que ainda vivia naquele mato. Com Ferdinand Groth cavalguei em direção a Boa Vista. Chovia torrencial antes de alcançarmos o abrigo do mato, o que, no entanto, não nos fez desistir. Tínhamos penetrado na floresta até o local onde hoje se encontra a capela escolar evangélica, quando os cachorros passaram a acuar na direção do sul - lá onde, mais tarde, R. Rehsler comprou suas terras. Groth deveria verificar o que era e espreitar na trilha que seguia para o Arroio Grande. Por muito tempo estive parado sozinho na chuva. Apenas, de vez em quando, ouvia o latido dos cães. O que estaria acontecendo por lá? Nenhum tiro, nenhuma noticia. Teria acontecido um acidente? Um bom tempo demorou até que alcancei aquele local, quando, de imediato, me deparei com a surpresa: uma onça de médio tamanho lutava ali com os nossos oito cachorros no meio das taquaras do mato. Apenas 6 metros me separavam da fera, mirei e — por duas vezes as espoletas falharam — a arma não disparou. Naquele momento, Ferdinand Groth gritou: <Cuidado, compadre, e um tigre, não é anta!> Ele estava parado em cima de um angico desenraizado que estava pendurado inclinadamente nos galhos de outras árvores, aproximadamente 8 pés acima do campo da luta. Sem demora também cheguei lá em cima. Pólvora e papel estavam espalhados pelo chão e, mais uma vez, ele tentou fazer com que sua espingarda de carregar pela boca disparasse. Um trabalho perigoso em que o auxiliei o quanto pude.
     Três vezes ainda as espoletas faiscaram, mas a pólvora molhada não explodia. Lá embaixo, a luta continuava: os oito cães davam trabalho para a onça, mas esta causava sérios ferimentos em seus inimigos. Cada vez mais freqüentes se tomaram os gritos de dor da matilha. <Temos que dar um fim nisso, se não quisermos perder todos os cachorros>, eu disse - bons cães de caça, naquele tempo, eram muito mais raros do que hoje. Descemos até o chão e Ferdinand Groth cortou uma vara de cedro novo e lentamente nos aproximamos do bolo selvagem de animais em luta e passamos a observar a situação, então surgiu um momento favorável. Um cachorro grande tinha atacado a fera pelo pescoço, porem já os dentes desta afundavam nas costas do valente adversário e demoliam ruidosamente os seus ossos. Um salto ousado e uma forte paulada acertou a cabeça da onça, que, cansada pela longa lula, cambaleou, e entã eu cravei quatro vezes a minha longa faca de mato no corpo do bicho, segurando o seu rabo com a mão esquerda. E assim expirou a última onça de Boa Vista.
     Pouco tempo depois, também foi abatida a última anta. Por algumas vezes ela já tentara abandonar a ilha de mato onde ainda se mantinha e, depois de várias tentativas frustradas de caçá-la, encontraram-se numa segunda-feira os quatro mais antigos caçadores da região: Ferdinand Groth, Karl Franke, Fritz Martins e Martin Niedermayer. Às 10 horas da manhã, começou a perseguição pelos cachorros. Por diversas vezes a anta tentou furar o cerco, mas os dez cães não o permitiram. Em forma de grandes círculos, a perseguição se prolongou por lodo o dia, até que, finalmente, à noite, na beira do Arroio Grande -- nas terras que mais tarde seriam de Peter Kirch -, Martin Niedermayer. que ali se havia colocado de tocaia, conseguiu atirar no exato momento em que a anta se jogava na água numa noite de lua clara. Foi a décima oitava e última que M. N. abateu no mato dos Leitão e, com isso, terminava aqui, também, a caça a animais silvestres de porte. Até 1928 ainda se ouviam os macacos no morro e na direção de Sampaio.
 
Referência:
DICK, Otto. História de Mato Leitão. Mato Leitão. 1999. p.25-27.
 
Nota do Wilson: Mato Leitão, até 20 de fevereiro de 1992, era território do município de Venâncio Aires.


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