sexta-feira, 29 de junho de 2007

A Omissão Conveniente

Desde os primórdios do homem moderno, o planeta Terra tem sido escravizado para servir aos propósitos do poder e da ganância. Durante esta longa história podemos citar diversas guerras e conflitos com o intuito do crescimento a qualquer custo e com a mínima preocupação com a vida que habita o planeta.
Com o uso das bombas nucleares e o fim da Segunda Guerra Mundial, acreditou-se que em qualquer situação a vida no planeta seria garantida com o progresso da ciência e da tecnologia, pois se direcionavam à satisfação humana e poderiam resolver os problemas vindouros. É claro que a ciência moderna proporcionou melhorias para a vida das pessoas, mas também não podemos esquecer do preço que será cobrado, direto ou indiretamente, pelo seu uso irracional e inconseqüente, que gera a poluição do ar, da água, do solo e, conseqüentemente, pela alteração do clima, extinção de plantas e animais e pela deterioração da qualidade de vida humana.
Mesmo sempre ocorrendo debates sobre o meio ambiente e desenvolvimento sustentável e com a existência de Leis que protegem o meio ambiente para o uso racional e para garantir seu uso pelas gerações futuras, cada vez mais podemos notar que as ações são deixadas de lado e sendo usadas apenas como um mero marketing ambiental.
Nesta discussão, faço uma analogia ao documentário "Uma Verdade Inconveniente" do candidato ao governo dos Estados Unidos da América, Al Gore, que trata principalmente da alteração do clima em conseqüência das atividades humanas e do crescimento industrial. Assim, enfocando somente a questão da água, um bem essencial para o desenvolvimento de todos os seres vivos, no município não está tendo seu devido cuidado.
Aqui, despejamos uma quantidade enorme de esgotos em diversos córregos e sangas que deságuam diretamente no Arroio Castelhano (Figura 1). Nele, também encontramos resíduos químicos e agroquímicos que seguem em direção ao Rio Taquari e assim por diante. Nos últimos anos, com a expansão do distrito industrial, também estamos poluindo o Arroio Taquari Mirim através da Sanga do Areial que passa no interior do Parque do Chimarrão.


Fig. 1: Sanga do Cambará, vista da ponte do acesso Grão Pará, despejando esgoto no Arroio Castelhano.

Estes resíduos causam a morte de peixes, mamíferos, aves e o desequilíbrio do ecossistema aquático e quando é captada para uso humano, gera doenças e até a morte.
No caso específico do Arroio Castelhano, devemos enfatizar que o curso d'água abastece mais de 35.000 habitantes da área urbana, usando milhões de litros de água/dia. Suas principais nascentes ficam em Linha Datas e Linha Alto Paredão (Santa Cruz do Sul), possuindo uma extensão superior a 120 quilômetros até desaguar no Rio Taquari. Quase não possui matas em suas margens, deixando-o suscetível a desmoronamentos e ao assoreamento. Sofreu diversas intervenções que o estão dizimando, uma delas é a alteração em seu leito natural por mais de 4 quilômetros realizado para aliviar as cheias e, em conseqüência, aumentando as enchentes na área urbana. É o único curso d'água que, pela mão do homem, "anda para trás" (Figura 2), pois as águas do curso alterado foi direcionado para uma curva inversa ao escoamento natural fazendo o arroio "andar" em torno de 150 metros ao contrário. Também, com as mudanças de seu leito natural, hoje existem pelo menos 8 ilhas no Arroio Castelhano (Figura 2), que no verão são áreas de proliferação de mosquitos e outros vetores de doenças.

Fig. 2: Imagem do Google Earth do local onde há diversas intervenções, uma é onde o arroio alterado foi direcionado para o leito natural do Arroio Castelhano, fazendo com que o curso d'água "ande para trás" e a formação de ilhas por causa da retificação.

Em meados de 2004, foram dizimados a vegetação e os animais em conseqüência de duas queimadas criminosas que acabaram com, no mínimo, 160 hectares de mata em suas nascentes (Figura 3).

Fig. 3: Queimada em Linha Datas, vista da RS-422, que dizimou mais de 160 hectares de mata nas nascentes do Arroio Castelhano.

Fig. 4: Represa para captação de água da Corsan no Arroio Castelhano, onde no verão de 2005 o nível de água era tão baixo que não passava por cima da barragem, conseqüentemente, não corria água.

Assunto que ficou alheio ao conhecimento da população e omisso pelos órgãos públicos, mas será lembrado caso houver outra seca como a do verão de 2005, pois o desmatamento e as queimadas são técnicas rudimentares que comprometem diretamente a vazão dos cursos d'água (Figura 4). Outro problema é a extração de cascalho nos cursos d'águas, principalmente na região de Monte Alverne (Figura 5) e também, como tratado em reunião da Câmara de Vereadores, no Arroio Sampaio. Esta atividade, com a desculpa de melhorar a vazão e para uso em estradas, acelera a velocidade da água acarretando num maior poder de arraste e de destruição das margens, o que somente transfere o problema para os moradores abaixo.
Com a proliferação de poços artesianos irregulares nos últimos anos, temos um quadro extremamente delicado que é a distribuição e o uso de água com excesso de flúor, causando a queda dos dentes em crianças e problemas ósseos em idosos. Temos também poços com mais de 100 metros contaminados com Escherischia colli (bactéria encontrada em fezes animais), poços contaminados com resíduos de agrotóxicos e poços sem água, pois o lençol freático está sendo rebaixado tão rapidamente que a Corsan já não pode mais utilizar seus poços por não haver mais água.
Nos cuidados com a água e seu uso, ainda observamos que a população desperdiça água tratada para lavar calçadas e para outros usos desnecessários. Poucos cidadãos dão exemplo de utilizar a água da chuva. Temos, na área urbana, diversos pontos de enchentes em decorrência da impermeabilização do solo através do calçamento e asfaltamento de ruas, passeios públicos, moradias e fábricas. Assim, como as sangas e córregos existentes na área urbana já foram todos canalizados sem um estudo da taxa máxima de impermeabilização e de toda a bacia hidrográfica que estes cursos d'água drenam, Venâncio Aires terá muito mais enchentes nos próximos anos, com o aumento do nível da água nos locais costumeiros e com a ampliação dos locais de enchentes (Figura 6).

Fig. 5: Extração de cascalho no Arroio Castelhano na localidade de Monte Alverne.

Fig. 6: Enchente vista da esquina da rua Jacob Becker e rua Félix da Cunha em dezembro de 2002.

Desta forma, com os fatos que se apresentam neste início de milênio, esta discussão busca chamar a atenção da população para as verdades e os problemas que poderão vir a causar prejuízos futuros ao município e aos seus munícipes e debater a questão da omissão, pois alguns órgãos públicos atuam para a gestão política, se apresentando passíveis aos interesses do bem comum e das gerações futuras.
Nesta perspectiva, o cidadão bem intencionado com o bem estar futuro deve estar ciente da problemática ambiental, fazendo jus ao Dia Mundial do Meio Ambiente, e que para mudar esta situação calamitosa eleja pessoas comprometidas com o presente e com o futuro, que incorpore em suas políticas públicas a promoção ao desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida dos munícipes, porque somente falar em mudanças e não colocá-las em prática, será mais uma omissão conveniente.

Wilson Junior Weschenfelder
Biólogo, Especialista em Licenciamento Ambiental
Mestrando em Desenvolvimento Regional

Artigo publicado no Jornal Folha do Mate - Folha Especial do Dia Mundial do Meio Ambiente - referente a alguns problemas ambientais ocorrentes no município de Venâncio Aires/RS.

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